Grande romance psicografado pelos médiuns Waldo Vieira e Chico Xavier,
"Sexo e Destino" traz um valioso estudo de caso em que o sexo aparece
como pivô das mais diversas vicissitudes da vida do Homem, tanto como
força de derrocada moral, sob o desvio impresso pelos desvarios
sentimentais, quanto "atributo divino na individualidade humana",
ensejando a sublimação dos seres.
Com o manifesto objetivo de que possamos "aprender com a biblioteca da
experiência", o autor espiritual alinhava uma trama na qual os
personagens desta "biografia de grupo" tomarão a lição de que "o amor e o
sexo plasmam responsabilidades naturais na consciência de cada um e que
ninguém lesa alguém nos tesouros afetivos sem dolorosas reparações".
Apresentando os casos como verídicos, em mensagem psicografada em julho
de 1963, o autor prefacia sua pungente narrativa elucidando que "sexo e
destino, amor e consciência, liberdade e compromisso, culpa e resgate,
lar e reencarnação constituem os temas deste livro, nascido na forja da
realidade cotidiana".
Compartilhando com as demais obras da farta literatura espírita o valor
edificante da mensagem, "Sexo e Destino" se destaca por contar entre a
histórica série de escritos que aliou o ensino moral à atualização
doutrinária do Espiritismo. Do primeiro livro, "Nosso Lar" (1944), ao
13º. e último, "E a vida continua..." (1968), André Luiz traz a lume
detalhes da chamada "erraticidade", apenas definida na produção
de Allan Kardec. Trata-se do período em que o espírito "erra" entre a
morte do corpo físico (desencarnação) e a retomada de um novo corpo
nascituro (reencarnação). É justo por isso que este 12º. volume se
reveste de tanta relevância na abordagem da cada dia mais inquietante
questão da sexualidade humana, não restrita à sua manifestação erótica,
na cópula, mas concebida como o amplo espectro de vinculações que as
forças genésicas engendram entre as pessoas, as mais importantes das
quais constituindo a família.
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Representação artística
de André Luiz |
A história se passa no Rio de Janeiro, presumivelmente na década de 50.
Uma senhora padecendo de um câncer terminal é acompanhada pelo espírito
de seu falecido pai, Neves, revoltado com as condições em que Beatriz
suporta sua dor: o tálamo conjugal maculado pelo envolvimento do marido,
Nemésio, um "sessentão desavergonhado", com sua jovem funcionária. O
vexame familiar se complica com o jogo duplo em que Marina também
envolve o filho do patrão, Gilberto, seduzindo-o de junto da própria
irmã, Marita, de quem o rapaz principiara a enamorar-se. A partir desse
começo prosaico, descortina-se um cenário de conflitos acerbos não só
entre os membros das duas famílias como dos de cada uma entre si,
revelando que no lar se traça "o estreito círculo das provas"
O texto está repleto de fatos e expressões da terminologia técnica
espírita sem, no entanto, comprometer o entendimento do leitor leigo: o
contexto deixa claro a que se referem e o uso de analogias permite
melhor compreensão. Nesse rol temos a obsessão, que se
caracteriza pela intervenção de um espírito (obsessor) sobre uma pessoa
encarnada, propositadamente ou não causando efeitos nocivos na vida do
obsidiado. Dois exemplos são o efeito de Moreira (uma entidade) sobre
Cláudio, estimulando-o à bebida e à volúpia incestuosa, e sobre Marina,
enlouquecendo-a. Todavia, a ação benfazeja de entidades amigas permeia a
inteira narrativa, especialmente na inspiração de ideias e sentimentos e
no suporte magnético, o famoso passe, que é uma transfusão de
energia com a qual espíritos benfeitores ("anjos da guarda", espíritos
familiares, etc.) promovem o reequilíbrio orgânico e mental de seus
protegidos. Outro fenômeno espírita melhor elucidado na obra de André
Luiz é o que Kardec chamou de "emancipação da alma", mais conhecido na
atual literatura esotérica, parapsicológica e científica como projeção astral:
há um desacoplamento da alma da pessoa, durante o sono, e seu duplo (o
espírito em corpo fluídico, isto é, corpo de matéria sutil, semelhante
ao corpo físico) se afasta da matéria densa, experienciando uma vivência
em quase nada distinta da vida biológica. No livro, vemos Marita deixar
o corpo após dormir e sair em busca de Gilberto, objeto de seu afeto,
mas em estado de desequilíbrio: é que o corpo entorpece a mente em
desatino, protegendo-a de certa forma, e, longe dele, o efeito das
ideias fixas, viciosas, faz as almas agirem como verdadeiros zumbis.
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Waldo Vieira, hoje desligado do
Espiritismo, conduz estudos de
projeção da consciência desde 1966 |
As mais chocantes revelações sobre a erraticidade, que caracterizam a
famosa série de André Luiz, são as atividades incessantes das
organizações instituídas no plano espiritual para socorro aos "mortos" e
às almas de seus afins, afetos que se mantém além da vida, ainda
encarnados no plano terrestre. Em "Sexo e Destino" lemos sobre o "Almas Irmãs",
instituição em que espíritos de pessoas cujas últimas encarnações
tenham falido em desequilíbrios sexuais são acolhidas e instruídas para
retorno ao plano físico com fim de resgatar os débitos pretéritos:
estupro, adultério, abandono do lar, aborto, prostituição, sedução,
promiscuidade, etc., são atos que maculam as consciências de pessoas que
fizeram mau uso de suas faculdades genésicas acarretando ampla rede de
causa e efeito, cobrando de si mesmas a reparação pelo dano físico e
moral infligido a outras consciências.
E é no "Almas Irmãs" que André Luiz obterá esclarecimentos sobre os
difíceis transes em que os membros dos dois clãs se debatem, em
problemas nada incomuns à experiência geral das demais famílias: paixões
violentas, hábitos desagregadores, frieza entre cônjuges, conflitos
entre pais e filhos, inimizade entre irmãos, etc. Para cada filho de
Deus a Providência Divina vai ofertando as oportunidades de reerguimento
- mesmo para o autor da mais tétrica cena do livro, que deixará o
leitor com o coração lanceado de angústia -, encaminhando para a
pacificação das próprias ideias e sentimentos, há muito em desalinho com
os propósitos do Criador, remontando a vidas passadas, encerradas com
pendências de reajustes. E aí entra o princípio da reencarnação,
mecanismo da justiça que reaproxima vítimas e agressores, corrompidos e
corruptores, para a conciliação sob coerção dos vínculos de sangue e
compromissos afetivos.
À medida em que se descortina para a Ciência a plausibilidade da
sobrevivência da consciência após a morte e seu retorno ao corpo através
da reencarnação, a perspectiva espiritualista deste livro sobre a
problemática sexualidade humana vai adquirindo mais e mais relevância
para a compreensão das dores que constituem a base de toda experiência
de vida dos Homens sobre a Terra.
Futuramente, neste blog, obras que irão fazê-lo repensar a natureza do Homem e o sentido da vida e da morte.